terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Conde Rumford e o Combate à Teoria do Calórico.

Diferentes teorias buscavam explicar a natureza do calor, tanto o entendendo como substância, ou relacionado ao movimento da matéria. À primeira visão eram adeptos, dentre outros, alguns dos filósofos naturais já discutidos, por exemplo, Becher, Stahl, Priestley, Black e Lavoisier. Exemplos de pensadores alinhados com a segunda visão são Francis Bacon (1551-1626), Robert Boyle (1627-1691), Robert Hooke (1635-1703), Daniel Bernoulli (1700-1782), Benjamim Thompson ou Conde Rumford (1753-1814) e Humphry Davy (1778-1829). A análise para essa perspectiva volta-se para aspectos da contribuição de Benjamim Thompson.

No final do século XVIII, Benjamin Thompson (1753-1814), americano que mais tarde receberia o título de Conde Rumford, atacaria a teoria do calórico, não só do ponto de vista experimental, quanto do ponto de vista teórico. Ele não aceitava uma teoria material em que não se pudesse ter acesso a tal substância. Tendo acesso às melhores balanças da Europa e supervisionando o trabalho de calibração de canhões numa fábrica de Munique (1798), preocupou-se inicialmente com o peso do calor. Seus experimentos levaramno a concluir serem inúteis todas as tentativas de se descobrir qualquer efeito do calor no peso dos corpos (Castro, 1993). Enquanto trabalhava na supervisão de perfurações de canhões, Rumford observou que o calor produzido pelos canhões era muito grande, e com isso começou a perceber a incompatibilidade com a teoria do calórico. Este deveria se conservar, sendo assim, não poderia ser criado constantemente durante a perfuração dos canhões. Mas de onde viria todo aquele calor produzido na perfuração dos canhões?

Rumford  pode verificar que as brocas embotadas produziam mais calor e realizavam menos trabalho de perfuração do que as afiadas, contrariando a teoria do calórico, pela qual estas teriam desgastado o metal do canhão com mais eficiência e liberando maior quantidade da substância do calor ligada ao metal. Tal quantidade de calor era produzida somente pela energia mecânica e por essa razão Rumford concluiu ser o calor, em si mesmo, uma forma de movimento mecânico. 
Não é necessário adicionar que qualquer coisa que um corpo isolado, ou sistema de corpos, pode fornecer continuamente sem limitação, não pode de maneira alguma ser uma substância material: e parece-me ser extremamente difícil, senão impossível, formar qualquer conjectura diferente de qualquer coisa que seja capaz de ser excitada e comunicada, da maneira pela qual o calor foi excitado e comunicado nestes experimentos, a não ser que ela seja MOVIMENTO (THOMPSON, 1798, p. 98-99).

Com isso, Rumford consegue demonstrar a insuficiência da teoria do calórico, mas não chega a propor novas concepções sobre a natureza do calor. Com isso, a teoria do calórico ainda resiste por mais alguns anos. Com o desenvolvimento de outros conceitos como o de trabalho e energia, e o desenvolvimento da teoria atômica, é possível uma formulação refinada sobre a natureza vibratória do calor, fazendo com que a teoria do calórico tenha um verdadeiro fim. 

Referências:

GOMES, Luciano Carvalhais. A ascensão e queda da teoria do calórico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1030-1073, dez, 2012.

PIETROCOLA, Maurício; GURGEL, Ivã. Modelos e realidade: Um estudo sobre as explicações acerca do calor no século XVIII. EPEF. p. 1-11, 2011.

SILVA, Ana Paula Bispo; FORATO, Thaís Cyrino de Mello; GOMES, José Leandro de A. M. Costa. Concepções sobre a natureza do calor em diferentes contextos históricos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 3, p. 492-537, dez, 2013.







Os conceitos de Flogístico e Calórico

Ainda sob influência do pensamento alquímico, o médico alemão George Ernst Stahl (1669-1734)11, que deu continuidade às ideias de Becher, atribuiu ao princípio inflamável que os corpos possuíam o nome de flogístico (ou flogisto). Stahl concentrou-se em tentar entender o que ocorria nos fenômenos como combustão e calcinação. Os dois fenômenos envolviam algum tipo de relação com o calor.

Segundo ele, o processo de combustão, seria baseado na presença de substâncias combustíveis como o carbono e o enxofre, que quando aquecidas por uma chama, produziam grande quantidade de calor. Enquanto na calcinação, o aquecimento levava à transformação da substância, que se tornaria cal. Tanto a combustão quanto a calcinação seriam devidas à presença de um princípio inflamável (flogístico), presente no fenômeno: quanto mais combustível o material, mais flogístico ele possui.Na calcinação, quem possui o flogístico é o metal inicial, en-quanto que a cal, derivada no processo, não. Portanto, na calcinação, o produto do metal fundido seria cal mais flogístico, sendo que o segundo elemento é liberado no ar. Já as substâncias como enxofre e carbono possuíam muito flogísto, que liberado na atmosfera após a queima, ficaria no seu estado livre.

Stahl considera que o flogístico não pode ser criado nem destruído e se constitui naquilo que cria o fogo. Portanto, quando é liberado na calcinação ou na combustão, processos que só ocorrem na presença do ar, ele passa para a atmosfera e assume diferentes formas, como chamas, nuvens, raios, voltando à sua forma terrestre como parte do ar. Ou seja, o flogístico é um elemento eterno na natureza, que passa de um ente para o outro, em qualquer um dos reinos, num ciclo eterno e também por meio de reações químicas. Isto respondia questões como a impossibilidade de ocorrer combustão de materiais no vácuo, onde não haveria ar para a transformação do flogístico.

Entretanto, havia alguns fenômenos que a concepção de flogístico não explicava. Se ele era o princípio da combustibilidade, então toda vez que uma substância arde, ela perde flogístico, e como este tem massa, a substância resultante deveria ter uma massa menor, o que não ocorre.

A teoria do calórico surgiu para explicar a mudança de temperatura dos corpos. Basicamente esta teoria consistia em afirmar que diferentes corpos teriam diferentes temperaturas por um acúmulo maior ou menor de calórico, isto é, se um corpo estivesse muito quente, ele teria uma grande quantidade de calórico acumulada, se estivesse frio, teria pouco calórico acumulado. O primeiro a dar este nome ao fluido do calor foi Lavoisier em 1789 (Castro, 1993), mas esta idéia era defendida por outros cientistas como Herman Boerhaave (1668-1738), Pieter van Musschenbroek (1692-1761), Joseph Black (1728-1799), William Cleghorn (1718-1754), William Irvine (1743-1787) e Adair Crawford (1748-1795). O calórico tinha as seguintes propriedades:
a) é uma substância material, um fluido elástico, constituído por partículas que se repelem fortemente;
b) suas partículas são atraídas pelas partículas da matéria comum com intensidade diferente para cada substância e estado de agregação;
c) pode ser sensível, espalhando-se pelos espaços vazios das substâncias até formar, por meio da atração que existe entre suas partículas e as da matéria ordinária, uma espécie de “atmosfera” ao redor dessas últimas;
d) A temperatura de um corpo é diretamente proporcional à quantidade de calórico sensível que possui;
e) pode ser latente, combinando-se com as partículas da matéria comum de forma semelhante ao que ocorre com as combinações químicas, ao contrário da justaposição que acontece com o calórico sensível;
f) não pode ser criado ou destruído;
g) têm um peso desprezível.
Estas características, que a princípio dava um grande poder de explicação do fenômeno de transferência de calor ao calórico, é o que acabará por ser um dos principais argumentos contra a teoria.

Referências:

GOMES, Luciano Carvalhais. A ascensão e queda da teoria do calórico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1030-1073, dez, 2012.

PIETROCOLA, Maurício; GURGEL, Ivã. Modelos e realidade: Um estudo sobre as explicações acerca do calor no século XVIII. EPEF. p. 1-11, 2011.

SILVA, Ana Paula Bispo; FORATO, Thaís Cyrino de Mello; GOMES, José Leandro de A. M. Costa. Concepções sobre a natureza do calor em diferentes contextos históricos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 3, p. 492-537, dez, 2013.




A interpretação da Alquimia

Em diferentes culturas da Antiguidade, desenvolveu-se também outro modo de interpretar o mundo, a alquimia. Ela é, em geral, vinculada ao traba-lho prático da metalurgia, quando a arte da transformação dos metais adquiria conotações de uma arte sagrada. Seria uma tentativa de compreender os segredos mais íntimos da matéria, de encontrar a cura de todos os males, do aprimoramento do espírito, da busca pela eternidade, da fabricação de ouro.

Documentos do século XV mostram uma forma de compreensão da natureza e explicação das causas dos fenômenos naturais envolvendo princípios alquí-micos vinculados à transformação da matéria (transmutação). Mencionam a trans-formação de um metal em outro e a busca pela pedra filosofal. Diversos filósofos naturais do período, entre eles alguns alquimistas, buscavam a causa dos fenôme-nos e associavam os questionamentos de pensadores e filósofos da Antiguidade à prática experimental. Tais trabalhos, que vinham desde, pelo menos, o século X, parecem constituir uma tentativa de formalização de receitas medicinais e de trata-dos diversos e suas compilações, que descreviam métodos para se encontrar novos elementos na natureza a partir da manipulação de substâncias (BELTRAN, 2006).

O ambiente do Renascimento, em que estes estudiosos viviam, favorecia e estimulava novas experiências. Neste contexto alguns fenômenos (que poderíamos entender como explicitando alguma concepção sobre o calor) são explicados pela presença de um elemento novo, semelhante a uma substância purificadora, que recebeu diferentes nomenclaturas e explicações. Em alguns casos, esta substância poderia ser empregada na transmutação da matéria ou para fins medicinais. Segundo alguns historiadores, foi Paracelsus (1493-1541) quem trouxe à tona o termo alcahest para tal substância, tratando-o como um remédio a ser manipulado para tratamento do fígado, mas sem explicitar exatamente qual a sua composição, nem mesmo se era uma substância composta (PORTO, 2002; ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; WAISSE, 2009). 

O alcahest está na mesma categoria dos quatro elementos de Aristóteles, ou seja, seria um quinto elemento, ou quinta essência, já que não se misturava à substância que dissolvia. A possível associação com o elemento Fogo aparece no sentido de purificação ou capacidade de tornar a substância pura.

Referências:

GOMES, Luciano Carvalhais. A ascensão e queda da teoria do calórico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1030-1073, dez, 2012.

PIETROCOLA, Maurício; GURGEL, Ivã. Modelos e realidade: Um estudo sobre as explicações acerca do calor no século XVIII. EPEF. p. 1-11, 2011.

SILVA, Ana Paula Bispo; FORATO, Thaís Cyrino de Mello; GOMES, José Leandro de A. M. Costa. Concepções sobre a natureza do calor em diferentes contextos históricos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 3, p. 492-537, dez, 2013.

O Calor na Antiguidade

Um estudo sobre as explicações para calor na Antiguidade nos leva, invariavelmente, à compreensão que se tinha na época sobre o Universo. Isto porque, na Antiguidade, havia um grande enfoque voltado para questões cosmogônicas na construção de explicações sobre o mundo natural, ainda que existissem também a preocupação com questões práticas.

Dentro da interpretação cosmogônica, calor está relacionado ao elemento Fogo para vários pensadores, e este último assumiu vários significados. Por exemplo, Empédocles de Agrigento (493-433 a.C), filósofo pré-socrático, propunha que o Fogo correspondia a um dos elementos primordiais, assim como a Terra, Água e Ar, que se unem em diferentes proporções para formar todas as coisas. Haveria ciclos no Universo em que estas coisas estariam sujeitas a união, pela força do amor; ou à separação, pelo ódio. E dessa forma, constituia tudo que existia no mundo. Porém, Empédocles não estava preocupado com a causa dos fenômenos em que o Fogo estivesse envolvido, mas sim explicar do que o Universo era constituido.

Possivelmente influenciado por Empédocles, Aristóteles (384-322 a. C.) adotou a ideia dos quatro elementos e associou-lhes propriedades como umidade e secura, quentura e frieza, além de adicionar um quinto elemento para explicar o mundo natural, o éter (a quinta essência), elemento constituinte dos corpos celestes, ao qual não é associada qualquer propriedade desse tipo. Assim, à fumaça, por exemplo, que era constituída de Fogo e Ar, poderia ser atribuída as propriedades características destes elementos, como quentura e secura. Além disso, Aristóteles ainda associava movimentos naturais aos elementos primordiais. Para ele, Fogo e Ar possuem o movimento natural reto para cima, enquanto Terra e Água possuem movimento natural reto para baixo. A associação feita por Aristóteles, em relação a Empédocles, já mostrava outra tendência do pensamento filosófico, que não se restringia a explicar a criação do Universo, mas também pretendia explicar os fenômenos da natureza.

No mesmo período de Aristóteles, Epicuro (341-270 a.C.) defendia o atomismo de Demócrito (~460 a.C.), em que o Universo e tudo que nele existia seria constituído por minúsculas partículas de diferentes formatos, denominadas átomos, que se enganchavam uns nos outros formando toda a matéria existente e cujas diferentes combinações e formatos explicavam todos os fenômenos naturais. Segundo os atomistas, o calor seria produzido por átomos esféricos que se movimentariam livremente no espaço vazio entre os demais átomos. A escola atomista buscava explicar o mundo em termos de matéria e movimento, ao acaso, sem intervenção de seres sobrenaturais.

Explicações sobre a natureza do calor fundamentadas nessas duas concepções distintas sobre a natureza da matéria, o atomismo ou os quatro elementos, costumam ser as mais conhecidas do período compreendido entre o século VI a.C. e o século II. Por um lado, a escola atomista defende o mundo formado pela combinação de diferentes átomos, movimentando-se no vazio, cujas diferenças explicam as características de cada substância. Já pensadores como Empédocles, Aristóteles, Heron, Philo e Galeno, naturalmente com distintas especificidades em suas ideias, relacionavam os fenômenos do calor ao elemento Fogo, e não aceitavam a existência de vazio na natureza, a não ser aquele artificialmente produzido.

Referências:

GOMES, Luciano Carvalhais. A ascensão e queda da teoria do calórico. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1030-1073, dez, 2012.

PIETROCOLA, Maurício; GURGEL, Ivã. Modelos e realidade: Um estudo sobre as explicações acerca do calor no século XVIII. EPEF. p. 1-11, 2011.

SILVA, Ana Paula Bispo; FORATO, Thaís Cyrino de Mello; GOMES, José Leandro de A. M. Costa. Concepções sobre a natureza do calor em diferentes contextos históricos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 3, p. 492-537, dez, 2013.